NPA 003 - A Luz de Alola
O pequeno raio desapareceu.
Deixando um vácuo de silêncio entre os dois jovens que estavam prestes a brigar por uma mala florida.
Os dois ficaram se encarando em silêncio por segundos, sem dizer uma única palavra, enquanto as pessoas ao redor olhavam confusas.
Mas Elio e Selene não perceberam isso. Estavam confusos analisando a situação inusitada em que se meteram no aeroporto, poucos minutos após terem chegado na região paradisíaca de Alola.
Sobre o pequeno raio, Elio não era tão bom em física, como era em Biologia, mas nunca tinha ouvido falar de algum tipo de energia estática daquele jeito.
Não era como friccionar os pés no carpete e tocar em pedacinhos de papel para atraí-los. Era mais como uma corrente elétrica percorrendo todo o corpo!
Deixando-o arrepiado dos pés a cabeça, juntou-se uma sensação incômoda que revirou o estômago do rapaz.
Não era algo necessariamente novo na vida do garoto. Outras coisas estranhas já haviam acontecido com seu corpo, e não era só a puberdade. Ele já havia sentido aquilo antes, aquela onda de energia percorrer todo seu corpo, à alguns anos atrás…
O jovem afastou o pensamento.
Apalpou o bolso de sua bermuda à procura da sua cartela de comprimidos com a mão livre.
— Elio, olha só o que eu encontrei! — A voz da mãe do garoto chamou a atenção dos dois que olharam na sua direção. Ela acenava e não estava mais sozinha.
Com ela vinha um homem de jaleco que cobria seu peito nu, um boné engraçado e bermuda. Kukui, o primo da mãe de Elio, que também acenava com um sorriso sereno.
— Desculpe o mal entendido, acho que aquela é a minha mala. — a garota apontou para uma mala idêntica que rolava vagarosamente sobre a esteira de malas. Seu tom era de constrangimento, bem diferente da garota voraz de segundos atrás.
— Ãhn? Ah! Perdão mesmo assim — então lembrou-se do cavalheiro em si. — eu estava distraído, poderia ser mesmo a sua mala e eu nem iria perceber...
O rosto moreno da menina estava corado, enquanto desviava o olhar.
Mais do que constrangida, a garota também parecia confusa com a situação. A jovem se adiantou e foi pegar a sua própria mala, do mesmo modelo, sem escutar o resto da desculpa do rapaz.
Elio achou que deixar a menina seria o mais adequado, então rumou para onde sua mãe e Kukui estavam, instintivamente segurando com força a mala florida.
— My sunshine, mal chegou e já está experimentando a magia romântica de Alola? — a mulher parecia acordada agora, viva como sempre, diferente de toda a viagem. Como se tivesse recarregado todas as baterias. Embora as olheiras ainda estivessem lá.
O garoto corou com o comentário da mãe, mas não valia o esforço explicar. Nem mesmo ele sabia se tinha entendido a situação direito. Então se direcionou à Kukui.
— O-olá sir Kukui, é um prazer finalmente conhecê-lo pessoalmente — tentou ser cordial, ainda que estivesse um pouco desconcertado.
— Alola, sobrinho, é muito bom finalmente te conhecer! Seja muito bem vindo a Alola! — O homem sem camisa deu um abraço apertado em volta do pescoço do garoto, que pensou que talvez aquele abraço funcionaria muito bem dentro de um ringue de luta, se bem que o aroma amadeirado agradável de Kukui não deveria ser o cheiro que os lutadores sentiam… — Como você está grande! Da última vez que te vi, você era do tamanho de um Joltik!
O garoto ficou ruborizado, aquela chegada tinha gerado um montante maior de vergonha do que ele esperava. Afinal, como se deve responder esse tipo de afirmação? Então só deu um sorriso desconfortável.
— Vamos indo para o carro?
Do lado da saída, um funcionário do aeroporto esperava debaixo de um toldo, que imitava uma cabana de praia, dando boas vindas aos turistas e colocando colares de flores nos pescoços de quem aceitasse.
Kay correu até o homem para receber o seu, enquanto Kukui e Elio trocaram olhares e sorriram. Era muito bom ver a mãe animada.
Elio nunca tinha visto um dia com tanta luz na sua vida.
Ao menos não que se lembrasse, e se tivesse, o esqueceu na hora em que as portas automáticas do Aeroporto Internacional de Hau'oli se abriram.
A luz era tão forte que machucava um pouco aqueles de visão despreparada. Só então percebeu que os vidros das janelas do lado de dentro deveria ter alguma espécie de película para barrar a luz quando atingisse o seu ápice.
A luz do sol irradiava sobre tudo, e mesmo ainda sendo de manhã era possível sentir um forte calor.
O céu azul se estendia por todos os lados, manchado com nuvens esparsas e finas que mais pareciam ornamentos para a imensidão azul. O vento batia no rosto de Elio, refrescando do calor, e junto da brisa era possível sentir o cheiro do mar, que ele não conseguia ver dali, mas pelo som e pelo ar característico, tinha certeza que não estava longe.
Wingull e outras aves marítimas que Elio não conseguia reconhecer cruzavam os céus.
Flores de todas as cores brotavam em canteiros ornados na frente do aeroporto que dava para uma paisagem urbana gigantesca. Altos prédios por todos os lados até onde a vista alcançava. Atrás dessa paisagem urbana se estendiam enormes montanhas ao longe.
Debaixo do céu da manhã de Alola, Kukui, Elio e sua mãe rumaram até a lateral do aeroporto, com o tio carregando quase todas as malas nos braços, sem demonstrar um pingo de dificuldade.
No estacionamento na frente do aeroporto esperava uma pequena caminhonete verde clara num tom cítrico, e o teto branco com algumas manchas que denunciavam a idade.
Kukui colocou as malas bem agasalhadas na parte de trás, tendo certeza de que elas não fossem voar pelo trajeto - suas palavras.
Todos entraram, afivelaram os cintos e o carro pôs-se a se mover, não antes de uma certa dificuldade para pegar no tranco. Kay e aproveitou para colocar o papo em dia durante o trajeto.
— Ah, então você está noivo Kukui? Que incrível! — Kay falou alto, como era típico de quando estava animada — Não me diga que é a garota científica?
— Ela mesma, a Burnet — O rosto de Kukui parecia brilhar — Aliás, ela queria muito ter vindo receber vocês, mas sabe como é, ela tem estado tão ocupada no centro de pesquisas em Akala, ela começou uma baita pesquisa, super importante e não pôde parar. Mas ela mandou um grande abraço para vocês.
— Fico tão feliz por você primo, de verdade! Mas e quando sai o casamento?
— Ainda estamos acertando alguns detalhes, assim, daqui alguns meses é certeza. Também tenho estado bem ocupado em toda essa questão da Liga Pokémon, sabe? Mas uma aventura, como o casamento, não posso adiar
O homem deu um grande sorriso de orelha a orelha.
Elio ouvia atento a conversa, mas ficou um pouco confuso quanto à última parte sobre uma Liga Pokémon. Porque, pelo que ele sabia, Alola era uma região muito tradicional. Não existia liga Pokémon, nem ginásios nem nada do tipo.
— Alola tem uma liga Pokémon? — Elio não conteve a curiosidade.
— Ainda não, mas em breve, se tudo correr bem… — Kukui fez uma pausa breve, mas pesada na sua fala — imagina, você pode até participar da primeira liga Pokémon de Alola, Elio. O quão maneiro seria né. Aliás bro, você nunca saiu em jornada pelas bandas de Galar?
Elio não esperava a pergunta.
A verdade era que o garoto tinha suas pretensões de sair em jornada pokémon. Mas a liga de Galar era cara, cada treinador tinha que arranjar um patrocínio para a Jornada. A professora Magnólia e a loja de Berries onde sua mãe trabalhava até pretendiam entrar com uma carta de patrocínio, mas depois de seu incidente na escola… O garoto afastou o pensamento novamente.
— O Elio até queria, mas em Galar se precisa de um patrocínio para participar, sabe… — a mãe de Elio explicou por cima — É muito complicado entrar, ainda mais para imigrantes, mesmo ele tendo a nacionalidade.
— Entendo… A liga de Galar realmente parece bem barra pesada mesmo — Kukui pareceu ficar pensativo por alguns instantes, depois voltou a falar de outros assuntos triviais com Kaylane, em como o traslado dos móveis tinha corrido bem e que levaram para a casa e instalaram as coisas e sobre as vizinhas da casa que estavam super animadas em ter Kaylane de volta.
Elio ficou grato ao tio por mudar de assunto, mesmo depois de tantos anos ainda era algo um tanto doloroso.
Enquanto isso, o carro ia entrando em uma longa avenida à beira mar.
Era imenso, o oceano se estendia além do horizonte, sumindo de vista a quilômetros e mais quilômetros, uma imensidão azul sem fim que parecia fixa no seu lugar enquanto o carro se movia, parecendo estar bambo diante do gigante primordial.
Em Galar até existiam praias, mas a maioria era rochosa, e quando os pais o levaram para visitar uma, em parte para eles matarem a saudade de casa, eles se decepcionaram e preferiram ficar com as piscinas públicas ou as praias de rios e lagos.
Ali era diferente, a poucos metros do veículo uma enorme faixa de areia se lançava ao mar, colorida pelos banhistas, que abarrotavam o lugar. Pessoas de todas as cores e tamanhos, intercaladas por todas as cores e tamanhos de guarda-sóis. O mar era calmo na orla, mas em alguns pontos na linha da arrebentação grandes ondas se formavam, o que parecia um deleite para os surfistas que ziguezagueavam nos paredões de água.
Era tanta cor, tanta luz, que Elio sentiu uma energia correr todo seu corpo, não como a de antes com a menina do aeroporto.
Eram ondas de calor, um quentinho no coração, que fazia o garoto se sentir mais vivo.
Vivo como não se sentia desde a morte de seu pai. Vivo como não sentia desde o incidente no colégio. Vivo. E olhando para o sorriso e o brilho no olhar de sua mãe enquanto conversava com Kukui ele pode perceber que ela sentia isso também. Talvez fosse essa a energia que sua mãe tanto falava. "A Luz de Alola".
...
Seguiram por uma rodovia principal e depois subindo pelas montanhas em estradas hora asfaltadas, hora completamente de chão, na qual o carro de Kukui chacoalhava como uma máquina de lavar velha.
Quase uma hora se passou, quando passaram por um enorme portal de madeira com telhado de palha em estilo tribal com uma placa que indicava em 3 línguas, Havaiano, Inglês e Japonês que estavam no território de Iki:
"Bem-vindos à Iki".
Nos batentes do portal duas enormes máscaras tribais emplumadas com o que pareciam bicos abertos em expressões assustadoras estavam penduradas de cada lado, dando as boas vindas, ou quase isso, aos visitantes.
Foi quando Kukui anunciou ao grupo sonolento que estavam quase chegando no seu destino.
A cidade onde Kaylane e Elio iriam morar até sabe-se lá quando.
Bom, "cidade" era um termo forte demais para se referir à Iki. Estava mais para uma vila ou povoado.
Uma estrada de chão batido se estendia a mais de um quilômetro à frente, até sumir da vista do garoto, só sobrando o pico da montanha no horizonte. De um lado e de outro, casas intercaladas com pequenas plantações e outros pequenos aglomerados de casas pintavam o clima pitoresco do povoado.
Kukui continuou seguindo até chegar no que deveria ser a área central de Iki, um aglomerado maior com um número considerável de casas, a maioria em estilo bem tradicional.
Mas uma coisa corria diferente do que o jovem esperava, para um povoado como aquele.
Iki estava bem movimentado, as residências estavam enfeitadas ou no processo de enfeite, com e muitas pessoas andando de um lado para o outro apressadas com vários cestos e caixas em mãos.
O garoto não pôde deixar de perceber uma plataforma de terra, que dividia a parte central da vila em dois níveis, o mais baixo onde eles estavam e um mais elevado no fim da vila. Mas o garoto não conseguia ver direito o que tinha na parte superior, só tinha achado ter visto a ponta de uma grande construção triangular.
No entanto, não teve tempo de prestar muita atenção aos detalhes, pois Kukui dobrou em uma rua de terra e poucos metros à frente, parou o carro.
— Chegamos!
…
A casa nova era enorme, bem, ao menos se comparada ao apartamento em Galar.
Era feita em sua maioria de madeira, com um telhado negro também de madeira, sustentado por um piso suspenso que daria um toque charmoso, não fosse a vegetação crescendo embaixo.
Do lado da casa, havia uma garagem com portão cinza de metal, que, pensou Elio, seria um ótimo lugar para quarto de visitas ou qualquer coisa semelhante, levando em conta que eles não tinham carro no momento e pela situação financeira atual, não iriam ter tão cedo.
Depois de desembarcarem todas as caixas da caminhonete, Kukui se despediu.
Deixou Elio e Kay livres para organizar o que faltava, o que não era tanta coisa, pois como Kukui tinha dito a transportadora havia montado tudo na residência igualzinho à projeção que a mãe de Elio tinha feito no software da empresa.
Só restava preencher tudo com roupas e as decorações até aquela casa mobiliada se tornar mais como um lar.
…
Era muita coisa sim.
Dizem que só se sabe o quanto de coisas você tem quando você se muda.
Elio não podia concordar mais, e só estavam lidando com roupas e decorações e não com móveis!
A arrumação foi longa, eles ficaram até as 11h abrindo caixas, tirando roupas, vendo que eram as roupas do cômodo errado e procurando a caixa certa.
Elio também liberou a Meowth de Galar que estava super estressada por ter ficado tanto tempo na pokebola, coisa que não estava acostumada por ser um Pokémon doméstico.
Para descontar a raiva começou a arranhar todo o piso de madeira olhando para os donos, com uma expressão diabólica, uma clara ameaça de morte. E lá foram Kay e Elio procurar a caixa com os brinquedos da Pokémon, para servirem de receptáculo de seu ódio felino.
Perto do meio-dia um grupo de senhoras bateu na porta da casa. Pela conversa, aparentemente conhecidas da falecida mãe de Kaylane. Que conheciam a mãe do rapaz da época em que essa morou em Iki ainda pequena.
As senhoras ofereceram pratos que elas haviam separado a mais para Kay. Como forma de agradecimento, a mãe do menino as convidou para um chá da tarde às 15h, convite que as senhoras prontamente aceitaram.
Elio não sabia como definir aquele almoço. Era muito diferente de tudo que já havia provado.
Uma mistura inimaginável de frutas tropicais, vegetais, peixes e outros frutos do mar.
As senhoras haviam explicado para Kay que seria um pouco da comida que iriam servir naquela noite durante o festival.
Sua mãe até havia tentando fazer alguns daqueles pratos algumas vezes, mas não havia conseguido chegar nem mesmo perto do nível de frescor dos que esses apresentavam. Elio se sentia grato pela gentileza das senhoras e só pensava em fazer um bom chá para agradecer.
Por falar em senhoras, só então se lembrou de enviar uma mensagem para avisar a Professora Magnólia e Sônia de que haviam chegado bem à Alola, aproveitando que estava mais parado no pós almoço.
Mesmo enviando a mensagem o garoto se sentiu mal de não ter enviado assim que chegaram, levando em conta o tanto que as duas haviam ajudado, tanto a família como Elio individualmente.
O garoto tinha um carinho e um respeito enorme pelas duas e sabia que ia sentir saudades de tomar chá da tarde com a professora Magnólia no seu laboratório e das longas conversas em que eles compartilhavam suas aventuras e desventuras.
Após enviar a mensagem, o garoto olhou a hora no celular, que ainda estava no fuso-horário de Galar.
Era sua hora de dormir.
Foi então que percebeu o quão cansado estava.
— Vai dormir um pouco my little sun — Kaylane falou percebendo como uma bruxa o cansaço do garoto. Enquanto juntava os pratos vazios e os depositava na pia. — você já está sofrendo do Jet Lag.
— Sem chances, quando eu for dormir, você vai arrumar tudo sozinha.
— Não, não, pode ir dormir tranquilo — Falava enquanto lavava as louças com delicadeza.
— Só se você for também, está super exausta aí.
— Okay okay — Kay levantou os braços em sinal de rendição.
Elio não tinha muitas forças para negociar.
Na verdade, depois do almoço ele mal podia ficar de olhos abertos.
Com a adrenalina da arrumação abaixando em seu corpo abriu-se um espaço bem grande para o Jet Lag e o peso da viagem começarem a atacar.
Se levantou, rendido pelo cansaço, arrastou seu corpo até a sua nova cama. Com a Meowth o seguindo de perto, também bocejando.
Sem tempo nem mesmo para perceber os detalhes ao redor, caiu em sua cama sem lençol somente sobre o colchão nu.
A Meowth fez o mesmo, subiu na cama e depois engatinhou até as costas do garoto, amassou pãozinho, se arrumou e fechou os olhos. Com o peso da felina em suas costas, o garoto fechou os olhos e dormiu.
No sonho ele se via de pé sobre uma superfície espelhada como se de mercúrio líquido, que se estendia infinitamente para todos os lados.
Somente contraposto por um céu completamente branco, quase reluzente, algo como se uma lâmpada de Led colossal iluminasse aquele ambiente estéril. Nenhum prédio, nenhuma alma viva sequer, nem água ou terra, somente aquela superfície vítrea.
Mas havia algo lá.
Uma presença, quase onipresente, uma ressonância que foi ficando cada vez mais forte à medida que parecia notar o garoto. Foi quando uma luz intensa brilhou, muito, muito ao longe no horizonte.
O que se seguiu foi um som torturante como de metal sendo arranhado intensamente por garras tenebrosas.
Fora do mundo dos sonhos, simultaneamente em algum lugar de Alola, algo acontecia.
— Senhora Lusamine, senhora Lusamine — um homem de roupas brancas e o rosto escondido debaixo de um capacete amarelo entra no escritório e para diante da mulher, quase sem ar, como alguém que havia corrido uma longa distância ou ou sofrido um grande susto — Reagiu!